Há 21 anos. Mas me lembro como se fosse ontem. Bola quase no
meio-campo, com Leovegildo Lins Gama Júnior. Mal tinha acabado de receber.
Renato Gaúcho veio em cima com toda fúria. Passou. Fatiou, passou, diria o
Capitão Nascimento. Voltou a tentar. Júnior deu mais um drible. Não me lembro
até hoje, e me recuso a conferir no videotape, se houve um terceiro
drible. E para ser bem sincero com
vocês, não lembro se já tínhamos feito o primeiro gol. De qualquer maneira,
tudo que me lembro desta cena foi que imediatamente, ali nas cadeiras azuis
(aquelas que davam claustrofobia,
embaixo das arquibancadas), eu pensei: vamos ganhar.
Era o aniversário de Léo Moura. Com uns
20 minutos de jogo, deu um lençol na lateral. Mais à frente, deu outro, no
meio-campo. E 1992 veio de novo, inteiro, não com o Maestro Júnior, mas com
este Léo que volta e meia chamamos de Léo Morto, que insiste, não desiste, nos
irrita, quer continuar mesmo com todos achando que não dá. Mas ele recusa o
destino – e aí neste gesto talvez resida a sua Essência rubro-negra, algo que
poucos jogadores têm.
Quando vi o não-ungido narrador do SporTV (que, diga-se,
estava ao lado de Lédio Carmona, melhor comentarista de futebol do Brasil em
TV) dizer que “Jaime não foi nenhum craque” eu me lembrei de Júnior e de Léo
Moura – curiosamente. Afinal, Júnior é fora-de-série, Léo é craque sim, e Jaime
é realmente aquilo que o narrador disse. Mas aos idiotas da objetividade falta
a capacidade de enxergar espíritos. Os três não têm em comum serem craques – e
é claro que não. Os três têm em comum o fato de nos induzirem ao Ser Flamengo,
Não estou alimentando ilusões, de modo algum: não estou
dizendo que vamos ganhar a Copa do Brasil por causa do Jaime, e seria
extremamente injusto cobrar isso dele. Mas defendo que existe um Leviatã rubro-negro,
um gigante que organiza a sociedade futebolística e contém a “guerra de todos
contra todos” prevista por Thomas Hobbes. Este Leviatã é formado basicamente
pela ESSÊNCIA DO SER FLAMENGO que habita a Gávea hoje, e que independe de
resultados ou títulos, mera coleção de figurinhas (Muhlemberg, Arthur, 2002).
A torcida gigantesca, a liderança flamenga do Jaime e a
liderança em campo de Léo Moura, sua obstinação solitária pelo Flamengo em meio
a um exército de legionários estrangeiros (vamos dizer que Hernane está quase
se naturalizando, bem como a dupla Chicão e Wallace), todos estes ingredientes
compõe a essência rubro-negra. O resultado é este Leviatã, este soberano
absoluto, sobre o qual todos debatem, discutem, em torno do qual a História se
repete, mas não como tragédia ou farsa, e sim como cumprimento do que está
escrito. Como crítica aos monarcas de antanho, ponderava-se que o poder do Leviatã não tem
origem da Divindade, e sim de um pacto social, de uma necessidade do Poder
supremo e regulador – tal como prescreveu Hobbes. A Essência Rubro-Negra é
isto. O choro de Jaime e seu neto, como vimos no SporTV, contra o eterno choro
da arcoirizada – que ontem, curiosamente, não foi solidária ao Botafogo. De
qualquer maneira, o Flamengo, no entanto, os une. Não há guerra de todos contra
todos.
O que importa realmente é que basta Ser Flamengo para Ser
Grande. Ganhando, perdendo, empatando,
jogando bem ou mal, se formos FLAMENGO, seremos automaticamente este Leviatã
que predomina, que tem poder absoluto. E isto de vermos tanta semelhança entre
o drible triplo de Leovegildo Júnior e os dois lençóis de Léo Moura, em dois dias em que trucidamos o Alvinegro do
Humaitá, se trata de vislumbrar por segundos o Leviatã. E gritar HAIL TO THE KING!
Sou Flamengo, pergunte-me como.
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