Publicado originalmente em minha conta do TECKLER e no Urublog
Era uma vez o maior time do mundo. De 1978 a 1983, este time
ganhou tudo e viveu, acredito, a melhor e mais longa fase positiva vivida por
um clube no mundo. Ganhou três vezes o campeonato mais difícil do mundo – o
Brasileiro – e chegou ao topo da América e do Mundo. Sua torcida tinha um rei
chamado Zico que, no fim de 1983, foi embora. Voltaria depois, mas sua saída
até hoje simboliza, de certa forma, como fator de passagem do tempo, o fim do
período.
O Flamengo, este maior time do mundo, claro que seria campeão
brasileiro depois – em 1987, em 1992 e em 2009.
Mas quando falamos da passagem do tempo e das consequencias
das transformações do ambiente externo em relação ao Flamengo, temos
dificuldade em fazer um diagnóstico simples. Nos detemos nos resultados do
futebol. Mas a crise do Flamengo tem um âmbito muito maior e mais global. Não
se trata apenas de entender que “presidentes e administrações ruins passaram e
acabaram com o clube”. Esta conversa parece ignorar que tivemos um Conselho
Deliberativo este tempo todo, a salvaguardar nossa constituição, ou seja, o
Estatuto.
A discussão pode e deve ir um pouco mais além da alternância
de poder. Precisamos tentar entender o cenário em que o Flamengo deixou de ser
a potência máxima do futebol mundial para se tornar um time que depende de
gestões. Sim: não podemos mais depender da qualidade de uma gestão. Grandes
marcas sobrevivem a CEOs mal escolhidos. Organizações ficam. Homens passam. O
Flamengo, com sucessivas gestões desastrosas (e algumas nem tanto, mas não cabe
aqui dizer quais), se tornou um clube...dependente de uma boa gestão. E esta,
nós não tivemos.
Vejamos: sabemos todos que a partir dos Jogos Olímpicos de
Los Angeles em 1984 houve finalmente o grande boom de investimento em Esportes.
Até então, é claro que havia marcas envolvidas, mas de forma mais institucional
– digamos, “British Petroleum” patrocinando clubes ingleses, e alguns casos no
Brasil de financiamento do uniforme. Mas até então, não se tem notícia de um
megacontrato nos moldes de hoje. Quando Los Angeles rompeu com esta “assepsia”
associando a marca olímpica a patrocinadores de peso como a Coca-Cola, é claro
que o cenário mudou para as edições seguintes dos JJOO.
Nos dias de hoje, a grana do patrocínio ultrapassa os 30% do
total da receita; em L.A. as cotas totalizaram US$ 160 milhões. A postura
norte-americana, de dar aos JJOO o viés de “entretenimento” (o importante não é
vencer, é faturar), mudou o cenário. A partir dali, o Esporte passou a ser
entendido definitivamente como business. Particularmente o futebol já vivia
esta tendência, pois já tínhamos valores altos de negociação de jogadores (que
se convertidos para valores de hoje não comprariam o Negreiros).
E quem havia saído do Flamengo em 1984? Zico, o modelo de
toda uma geração vencedora, mais que modelo, o exemplo. O clube já apelara para
patrocinadores para manter Zico antes e apelou para que ele voltasse. O
Flamengo era PIONEIRO nesta tendência. Mas houve um ponto de inflexão e o clube
descarrilou. Seguindo o raciocínio do João Henrique Areias, podemos dizer que
descarrilou por três motivos: Centro de Treinamento, Estádio e Formação –
gestões temerárias que não deram logo esta santa trindade ao clube.
E tínhamos ainda craques se formando – mas eram craques como
Djalminha, Nélio, os “gaúcho’s boys”. Nesta fornada, o “ethos” da formação do
jogador rubro-negro começava a deixar a ser o de Zico (sujeito exemplar,
honrado, ético, decente, casado com a mesma mulher a vida inteira, mulher de
respeito) e passava a ser o ethos do jogador típico deste novo cenário em que o
futebol era chamado de “Esporte de Alto Rendimento”. O “craque” da Era do
Dinheiro precisava ter carro, marra de cão, deveria andar com mulheres de
reputação duvidosa e não esbanjava compromisso.
Ora, nada mais Flamengo do que o Zico. E nada menos Flamengo
do que algo que seja contrário ao Zico. Este “ethos” de formação foi se
propagando e perpetuando. Nos dias de hoje, jogador com 19 anos está postando
foto no Instagram com luzes no cabelo – daí para baixo. E ao longo destes anos
todos desde os Gaúcho’s Boys (a quem devo reverência pelo título de 1992) o que
vemos é um Valor distorcido associado ao fato de pertencer ao Flamengo: é a
Marra que deveria ficar (obrigatoriamente) restrita ao torcedor e ao
centroavante do time (caso tivéssemos um, por exemplo). Garotos chegam e, por
jogarem no Flamengo, se sentem como acima dos outros.
Ou você nunca se perguntou como um Santos pode descobrir
Robinho (que eu dispenso, mas é melhor que a maioria dos atacantes que formamos
desde 1992) e Neymar e o Flamengo tem que festejar, digamos, um, bem, vocês
sabem quem? Como o Botafogo consegue chegar a Vitinho e o tal Yuri, e o
Flamengo tem que ir lá não sei onde achar o Hernane?
Eu dei exemplos recentes. Mas isto vem acontecendo DESDE A
DÉCADA DE 1980. Ora, tivemos hiatos vitoriosos. Tri estadual duas vezes. Duas
Copas do Brasil. Um Brasileiro. Uma Mercosul conquistada na base da raça.
Mas...se você fosse estrangeiro e tivesse que falar sobre o Campeonato
Brasileiro NO MESMO TOM com que falamos do Italiano ou Espanhol, você colocaria
o Flamengo numa posição semelhante a que Inter e Milan (italiano) e Barcelona e
Real (espanhol)? Você apostaria que no campeonato de 2016, por exemplo, o
Flamengo estará na primeira divisão e será UM DOS FAVORITOS (como podemos falar
do Barcelona, por exemplo)? Claro que não. Porque há anos que, salvo algumas
exceções, começamos o Brasileirão sem muitas expectativas. Até mesmo em 2009
demoramos para entender que iríamos levar.
Isto se deve a uma coisa chamada Reposicionamento. O
Flamengo, por aqueles fatores citados anteriormente (má-gestão, falta de
atenção ao cenário internacional, falta de CT, Estádio e Formador, ethos
fanfarrão), foi reposicionado como uma marca pouco confiável, como um time que
pode ir ou não pode ir. É um time que os nossos vizinhos de língua espanhola
nunca sabem dizer se vai estar na Libertadores! E o certo seria disputarmos
(não necessariamente ganhando) todos os anos. O Flamengo não sobreviveu a estes
fatores que mencionei entre parênteses – ou melhor, sobreviveu, mas virou um
clube de fases. E não uma cláusula pétrea.
Além de todos estes fatores, é preciso entender: se empresas
sólidas, com atuação há décadas no mercado, procuram o Flamengo para associar
suas marcas ao Rubro-Negro, é normal imaginar que o mesmo aconteceria com
indivíduos. Só que estes, nem sempre querem uma joint-venture. Querem tirar o
que puderem desta marca consumida por 40 milhões de pessoas (fora os arco-íris)
– seja com venda de ingressos, seja com comissão aqui e ali. Esta adesão de
pessoas interessadas em perpetuar poder e obter benesses é uma das doenças mais
graves do clube.
Me diga a verdade: é nova a frase “estes caras não são
dignos de vestir a camisa do Flamengo”? Só agora apareceu “esta diretoria vai
rebaixar o Flamengo”? A frase “este é o pior time da história do Flamengo” é
algo que você ouviu pela primeira vez este ano? Pereba é algo que o Flamengo só
tem agora? Negreiros, Delacir, Luvanor, Rivera, Dill, Dimba, Rubens, Messias
(só para citar alguns) são muito melhores do que estes de agora.
Sabe por que essas frases são frequentes? Porque o Flamengo
foi “reposicionado”. E junto com ele, os grupos de interessados em sobreviver
às custas de sua marca fantástica.
Não escrevo para defender a atual gestão. Sei que cometem erros.
Sei que o diretor de futebol já se mostrou inadequado – o Pelaipe contratou
muito mal, sabemos disso. Não tenho a menor dúvida de que escapar do
rebaixamento deve ser um objetivo mais do que sagrado – afinal, continuamos a
ser o único clube do Rio a não ter caído para a segunda divisão. Isto é
essencial e, a meu ver, faz parte do....Reposicionamento. Sim, isto mesmo.
Estamos passando agora pelo mesmo processo. É obtenção da CND, é pagamento de
dívidas, é salário que não atrasa. São os passos que precisavam ser dados. Nos
últimos 30 anos, nos “reposicionamos” de clube Master para clube Irregular. E o
que vivemos agora é, sim, o conserto do prédio, que estava torto. Este
Reposicionamento é essencial para deixarmos este status de clube que depende do
Adriano ou do Acaso para ser alguma coisa.
Não pensem vocês que eu não dei soco na mesa ao ver o Elias
perder o gol contra o Náutico; não pensem que estou morrendo de amores pela
Chapa Azul se for levar em consideração os vexames do Brasileiro. Só que
enxergo uma diferença: antes apanhávamos de 6 a 2 do Paraná, de 5 a 0 do
Coritiba (duas vezes), de 5 do Vitória. E as coisas não pareciam apontar para
um futuro com o Flamengo em outro patamar. Nada mudava. Só a dívida – que
crescia.
Vejo uma possibilidade. Um sinal de mudança. E, acredito –
muitos vão usar o resultado ruim do futebol para defender o retrocesso. É uma
tentação de torcedor, um daqueles “atalhos” que nos levam longe...de onde
queríamos chegar.
Uma vez, lancei uma campanha no nada saudoso Orkut: “Eu quero
meu Flamengo de volta”. Eu estava errado. O meu Flamengo nunca foi embora. Meu
Flamengo é esse, todo errado, que não sai da lama, mas que agora tem uma
chance. Uma chance de mudar, de melhorar, de dar um salto qualitativo, de
começar a revelar gente boa no futuro, de disputar Libertadores todo ano.
Estamos nos reposicionando. Precisamos, todos, torcedores e sócios, entendermos
este momento – e perceber que é impossível voltar atrás. Para a frente temos o
futuro. Atrás, o caos.
E o caos jamais pode vencer. O Flamengo, pode.
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